por Gregório Dantas
Doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp, Gregório F. Dantas é professor de Língua Portuguesa das Faculdades de Campinas (FACAMP) e Professor de Literatura convidado do Centro Universitário Padre Anchieta. Não acredita no fim do livro nem da literatura, mas se preocupa com o número de leitores. Mantém um blog para trocar idéias com os alunos: http://linguaeliteratura.wordpress.com

Caim é um romance pretensioso e por demais ingênuo em suas má criações com a Bíblia. É bem diferente de O evangelho segundo Jesus Cristo: neste romance, tanto Jesus quanto seu pai terreno, José, são personagens bem construídos, como motivações bem definidas e conflitos coerentes com suas trajetórias. Há, enfim, coerência interna, independente das críticas que se possa fazer à abordagem da história bíblica. Já no caso de Caim, seu protagonista, o irmão assassino de Abel, é apenas um pretexto para que o narrador possa julgar os episódios do velho testamento ao seu modo: como grandes exemplos da crueldade divina contra o homem.
A tese é explícita, e falta ao texto coerência interna: as viagens no tempo de Caim revelam as arbitrariedades de um narrador onipotente e tendencioso demais para que a história possa ser vista como algo mais do que a reunião de exemplos para sua “argumentação”. Nesse sentido, Caim é apenas um títere que serve aos propósitos do narrador. Mas também falta, digamos assim, rigor argumentativo, para um livro que se propõe, aparentemente, a “revelar” os absurdos do discurso religioso. Por que atacar a religião cristã através das histórias bíblicas, as quais muitos teólogos sérios admitem que não devem ser lidas literalmente? Não haveria outros caminhos, mais produtivos, para a argumentação sobre assuntos tão graves e importantes? Nesse contexto, os momentos de suposto humor — como a cobiça de um anjo pelos seios descobertos de Eva — soam apenas como desaforos ingênuos, inadequados à pretensão e à seriedade da tese do romance. Infelizmente. Em outros momentos de sua carreira, o autor soube manejar melhor esses mesmos procedimentos narrativos.
Vale dizer que as reações de repúdio ao romance — como a sugestão de um político para que Saramago renunciasse a sua cidadania portuguesa — também foram exageradas, para dizer o mínimo. Pena que um assunto tão rico venha sido tratado de maneira tão superficial, também pelos críticos do romance. Tanto eles quanto José Saramago poderiam fazer melhor.
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