segunda-feira, outubro 25, 2010

Biblioteca em Revista

Edição Fac-Simile de Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade

por Daniele Fachinni


A chamada segunda geração Modernista da literatura brasileira foi composta por consagrados autores como Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Murilo Mendes, entre outros, no entanto, é impossível que se esqueça de citar entre esses autores o nome Carlos Drummond de Andrade.


O livro Alguma Poesia, publicado em 1930, foi a primeira obra de sua lavra e talvez um dos livros mais importantes do gênero publicados no Brasil desde a semana da Arte Moderna de 1922. E é devida a grande importância dessa obra de Drummond que no mês de agosto de 2010 o Instituto Moreira Salles relançou uma edição fac-símile do livro Alguma Poesia, só que agora intitulado de Alguma Poesia – O Livro em seu Tempo.

Organizado pelo poeta Eucanaã Ferraz, podemos encontrar no livro não só a preciosa poética drummondiana, mas também uma relação das críticas literárias, positivas e negativas, que foram publicadas por notáveis literatos brasileiros, contemporâneos de Drummond, sobre os poemas que compõem Alguma Poesia.

Dentre as críticas publicadas estão as que foram registradas por autores como Blaise Cendrars e Murilo Mendes, no entanto, segundo Humberto Werneck, as mais interessantes são as que foram feitas por Mário de Andrade, famoso e polêmico poeta modernista que passou a se corresponder com Drummond a partir de 1924 após ter lido alguns poemas enviados pelo jovem autor que residia em Minas Gerais. Três dos poemas escritos por Drummond e enviados por ele a Mário estão reproduzidos no livro de Eucanaã Ferraz e trazem nas margens alguns comentários certeiros de Mário, como:



“Gostei da regência. Bravo!”


“...que abundância francesa de possessivos!”



A relação literária entre Drummond e Mário se tornou uma constante troca de idéias e poemas, tanto que em 1926 Drummond fez um esboço de livro que intitulou de Minha Terra Tem Palmeiras, no qual escreveu uma dedicatória a Mário de Andrade que retribuiu o feito em breves palavras: “formidável”, “horrorosibilíssimo”, “obra-prima”.

Carlos Drummond Andrade foi o primeiro grande poeta a se afirmar na literatura brasileira depois das estréias modernistas, porém, isso não significa que podemos classificá-lo como um modernista, pois, segundo afirma Alfredo Bosi (1994), ele vai além: A obra de Drummond alcança -como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes- um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas.

Neste fac-símile de Alguma Poesia é possível, também, que o leitor veja as emendas feitas por Drummond nas páginas de seu exemplar que, de acordo com Werneck, tinha mania de perfeição. Por exemplo, a poesia Fantasia teve seu título trocado para Casamento do Céu e do Inferno e em Quadrilha o personagem Brederodes teve seu nome mudado para J.Pinto Fernandes. De acordo com Werneck, Drummond tinha mania de perfeição, e exigia o máximo de si na composição de seus poemas. Exemplo desta busca é o poema “O lutador”, no qual Drummond fala da luta que se enfrenta com as palavras ao se escrever um poema:

Lutar com palavras

é a luta mais vã.

Entanto lutamos

mal rompe a manhã.

São muitas, eu pouco.

Algumas, tão fortes

como o javali.

Não me julgo louco.

Se o fosse, teria

poder de encantá-las.



Os poemas drummondianos abordam assuntos do dia a dia, e são repletos de uma boa dose de pessimismo e ironia diante da vida, e os principais temas retratados são: conflito social; a família e os amigos; a existência humana; a visão sarcástica do mundo e das pessoas; e as lembranças da terra natal. Utilizando a linguagem coloquial do primeiro modernismo, os poemas de Alguma Poesia foram escritos em versos livres, ou seja, sem métrica regular. A rima só acontece quando usada ironicamente como nos versos: "Mariquita, dá cá o pito / no teu pito está o infinito".

No “Poema de sete faces”, como bom adepto de algumas convenções modernistas do século XX, Drummond explicita a crítica irônica aos processos poéticos tradicionais:

Mundo mundo vasto mundo

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Nelson Vitor observou n’O Globo que o poeta “foi habilíssimo (...) em esconder todo o talento que traga”; e Eduardo Frieiro se referiu a Drummond dizendo que ele era “talvez o mais potável dos nossos jovens líricos”. Porém, assim como alcançou elogios, Drummond não esteve livre das críticas, como a de Medeiros e Albuquerque que disse ter visto no livro apenas “alguma tipografia”.

Segundo Sylmara Beletti, o mais polêmico e célebre dos poemas de Alguma Poesia é No meio do caminho, que angariou uma série de críticas e obteve uma repercussão tão grande no cenário literário que o próprio Drummond as reuniu fazendo do conjunto, 39 anos depois, em 1967, Uma pedra no meio do caminho - Biografia de um poema, livro que traz uma coletânea de críticas e matérias resultantes do poema ao longo dos anos.



No meio do caminho






No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.



Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.


O Instituto Moreira Salles é uma entidade civil sem fins lucrativos fundada por Walther Moreira Salles (1912-2001) em 1990 e é administrado pela família Moreira Salles. Tem por finalidade exclusiva a promoção e o desenvolvimento de programas culturais atuando principalmente em cinco áreas: fotografia, literatura, biblioteca, artes plásticas e música brasileira.

CURIOSIDADE: "fac-simile" do Latim significa "faz igual", ou seja,  é toda cópia ou reprodução que apresenta uma grande semelhança com o original.

Daniele Facchini é aluna do 6º semestre da Graduação em Letras do Centro Universitário Padre Anchieta, e colunista de Biblioteca em Revista, coluna mensal sobre artigos dos periódicos disponíveis no acervo da Biblioteca do Campus do Centro desta Instituição.

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